Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
Não há nada como um dia de apoteose cibernética, um dia de esférico júblilo da cultura pop, para justificar a quebra do silêncio de um ano.
Trata-se, sem dúvida, de um dia a celebrar — a celebrar em primeiro lugar pelos que apenas podem desfrutar da catarse dos êxitos alheios... pois saboreio até já eu próprio o glorioso aroma da grelhada num pátio vizinho. A cuja olfactiva sedução se alia o não menos aromático embalo das mornas crioulas a que nos mandam hoje marchar. E para coroar esta exaltação dos sentidos, não falta sequer o lubrificante perfume do arco-íris, aquela promessa de fruição sem espartilhos quando já pouco mais há a gozar para além dos mesmos corpos em que nos querem encerrar.
Celebremos, portanto, a festa dos despossuídos, pois são as miragens de felicidade que lhes enviam as fábricas dos sonhos que acabam por condignamente os associar ao justo gáudio do Dia do Senhor...
•
Mas é precisamente esta celebração que nos aponta mais alto, em direcção aos engenheiros da fantástica machina que de tão quase-nada nos sabe elevar até aos cumes do gozo... Prestemos, por isso, a devida vénia aos afanosos artífices do sistema que nos tem nutrido de tão colossais benefícios — os comissários e comissionistas, os mercenários e mercantilistas que tão habilmente têm sabido converter em numerário todos os "trastes inúteis" que nos legaram os avoengos.
São esses os heróis ignotos do colossal Império da Prosperidade que se desenha na Nova Europa. Não nos deixam em monumento uma única linha de verso épico, mas em contrapartida não lhes conseguimos represar a torrente de "prosa legal" com que nos têm sabido submergir cada passo. Desde a economia à finança, desde a saúde à educação, desde as ciências de ponta às artes circences — não deve haver uma única parcela da nossa existência que nos tenham poupado às suas assombrosas técnicas de optimização...
... E se nos vão argumentando como o quintal do avô estaria bem melhor entregue à diligência de qualquer falante estrangeiro, é certo que nos têm recompensado com uma criativa parafrenália de prémios, incentivos e subsídios para que nos saibamos manter naquela boçalidade muda e queda que tanto convém.
Afinal, que nos pode interessar a quem pertencem os estádios quando é "nossa" a equipa que ganha ?
•
Ainda assim, para todos aqueles que poderiam acreditar que as razões de celebração já seriam bastantes, faltará recordar a mais importante — aquela que nos eleva até às mais sublimes esferas da sageza e da filantropia: a de nos congratularmos com a inesgotável desmonstração de generosidade dos arquitectos disto tudo.
Pois em boa verdade está ainda fresca a notícia de que mais um dos insignes oficiais deste nosso apogeu civilizacional — nada menos que o Dr. Durão Barroso, aliás, em bom europês, o "Mr. Jose Barroso" — acaba se se juntar aquela plêiade de outros insignes lusitanos, como o Dr. Vítor Constâncio ou o Eng. António Guterres, que o "Primeiro Mundo" decidiu chamar à mesa da cornucópia do "Mercado Global".
Que nos pode interessar saber que foram eles mesmos quem dirigiu os destinos da coisa pública doméstica até à derrocada que esse mesmo "Primeiro Mundo" agora tão asperamente censura ?
Que nos pode interessar, portanto, a quem pertencem os estádios quando os treinadores são tão magnanimamente gratificados pela organização ?
Que nos pode interessar a servidão a que nos reduzem quando nos espezinham tão portentosos "Mistéres" ?
•
Celebremos, enfim, pois não se adivinha sequer a mais ínfima razão para deixar de o fazer — celebremos enquanto permanece desconhecido o resultado desta "Final do Euro"...
Celebremos sobretudo agora, antes de se tornar previsível um resultado... Independentemente da equipa que ganhe, talvez se trate mesmo de um Brêxito efémero...
Afinal, que nos pode interessar o jogo quando do alto sempre lhe mudam as regras ?
•
In your dreams, babe...