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"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
... E basta de desempenhar o estafado papel de "mais uma voz em clamor contra a cacofonia"...
Afinal, nesta recauchutada Era do Ferro em que proliferam as "meta-logias", tudo indica ter chegado o momento de regressar ao protodiscurso... àquela força bruta que antecedeu a retórica e que por cá tanto parece votada ao olvido.
Comecemos, então, por reconhecer que só aos mais canhestros continua a iludir tão clamorosa evidência: como é óbvio, o Universo está em acelerada contracção. Sim... aquele Cosmos de remotos antípodas em que se extraviavam legiões de antepassados cabe hoje no patético ecrã de qualquer GPS — aliás, cabe não só ele como cabem todos os incontáveis melhores mundos possíveis...
Segue-se que entre as transpiradas lonjuras que lá iam calcorreando os avós, havia uma por demais abismal — aquela do Poder. Assim mesmo. Com inicial maiúscula e tudo. Porém, como provavelmente não nos irá escassear o tempo para nela glaciarmos os ânimos, vamos para já limitar-nos ao climatizado conforto da petite histoire que nos chega de magazines, de telejornais, de todas as fabriquetas da realidade enlatada...
Ora, esta relação morna e íntima que o cidadão do mundo actualmente mantém com O Tudo abrange, acima de todas as coisas, as esferas do mais sublime. Portanto, se o infinito se encerra na palma da mão e Deus nos subjaz enterrado debaixo dos pés, se a Verdade sossega naquele rabisco que esquecemos dobrado num bolso qualquer e a Vida se dissolve no rabo ao léu que imolamos ao sol nas Antilhas, com que ninharia mais entediante nos poderiam obrigar a perder um segundo da farra senão, precisamente, com a tripulação da galera?
— É que agora, com rombo no casco, todos se unem e nos reclamam a alma! Sendo necessário aligeirar a carga, dizem, que vão borda fora os braços inúteis!
Perante o inevitável naufrágio, os inexperientes navegadores a quem entregámos o rumo não justificarão assim a nossa insolência? Os intendentes a quem encomendámos o pão não se terão posto, afinal, à distância de um insulto? Os mercenários cujas armas agora se voltam para nós não merecerão receber na face os nossos dejectos?
... Eis a lógica macaca que move a nave dos loucos no glorioso limiar da prometida Fraternidade Global...
Perdemos a noção da estratosférica distância que separa o Poder do seu rosto visível, e acreditamos que escolher para este a imagem seja ditar ao outro o desígnio... Esquecemos que o sinal do Magno Poder é a altitude invisível... Esquecemos que todo o poder que se vê não passa de rasteiro gigante...
— Um gigante como nós, finalmente! — rejubila o néscio!
... Mas é de altos cumes que saem as mãos no "gubernum", e as carinhas larocas que tanta familiaridade lhes dão não passam das máscaras que vemos. Máscaras de pobres esbirros a imolar nas fogueiras de que eles mesmos são mecha.
Não há poder sem ἱεραρχία, e o "político" é hoje a máscara que a esconde.
Desta forma, no glorioso limiar da prometida Fraternidade Global não será apenas o Universo que está em acelerada contracção, mas também o Mundo que se faz plano — parece...
Pobres-diabos em fim-de-festa, acreditando pontificar entre iguais...
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Sem imagens...
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[5, 6]
Portugal, humilimamente no centro do Mundo.
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Entre os já ancestrais delírios de estrangeirados, nacionalistas e globalizados, houve com certeza um dia em que este Povo se esqueceu da razão porque a sua Pátria se encontra humilimamente no umbigo do Mundo.
Confundimos o nome das coisas, confiámos a vida aos urdidores de futuros e preferimos dormitar na poltrona das megalomanias alheias. É justificável. Tantos séculos salgando o mar foi pranto demais. Vivemos agora atolados no pântano da mediocridade e deixamos que escrevam a história por nós.
Tempo perdido a olhar de viés, desligando o que fumega cá dentro do que explode lá fora ou esmagando o que aqui floresce sob o peso do Cosmos. Deslumbrados pelas promessas de novas ordens, aferimos por bitola larga as nossas veredas e acabamos despenhados em decadências alheias.
Não será para breve o restaurar dos orgulhos feridos — mas convém lembrar que não são nossas as agendas dos outros... até porque há soberanos cuja solitária grandeza é o aviltamento dos fracos, sábios cuja ciência é o segredo, potentados para quem a tenacidade é cegueira e a resistência uma afronta.
É necessário recordar igualmente que na vanguarda dos deuses da guerra e do sangue pontificaram sempre os embaixadores da dissolução e da intriga... Muitos de nós somos ainda de um tempo em que uma boa fatia dos parcos recursos era reservada para a elevação dos espíritos. Agora, não se regateiam fortunas para embrutecimento das massas.
Afinal, este Império de segundas núpcias que nos quiseram impingir como novo não passa de uma quimera com a idade do mundo, e já não lhe chega a cosmética. Assim, enquanto nos saguões prossegue em crescendo a orgia dos néscios, nas lojas do palácio voltam a contar-se as espingardas que lhe hão-de servir de muleta.
Não há nada de novo debaixo do Sol. Basta saber que quando jogámos no tabuleiro dos outros, o resultado foi sempre a perder... Afinal, é muito plausível que a nossa fraqueza seja realmente a nossa força.
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Quando jogámos no tabuleiro dos outros, o resultado foi sempre a perder...
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[1, 5]
Para aqueles que crêem que o "nacionalismo" de trazer por casa e o "globalismo" universalizante foram as pragas que mais insidiosamente contaminaram a cultura lusitana nos últimos lustros, reservamos para agora a pior notícia — nenhum dos dois passa de um subproduto barato de outro problema mais comum e viscoso, mas cujo nome foi caindo no olvido desde os tempos da velha senhora... o dos "estrangeirados".
Desde logo, basta a descomplexada recuperação do vernáculo para justificar uma avalanche de impropérios provenientes do mais alargado espectro político-partidário... Anátema! Xenofobia! Racismo! Fascismo! Curiosamente, são proferidos por todos aqueles que fazem questão de sobranceiramente vociferar contra a "degeneração", o "atavismo" e a "inferioridade" dos seus compatriotas. E exige-se aqui um pouco de discernimento, uma vez que para os desatentos é fácil colocar no mesmo saco os "globalistas" e os "estrangeirados" — aliás, estes primam para que o mimetismo seja perfeito. Todavia, enquanto o globalista borboleteia muito à frente na esteira da perfumada utopia de um Shangri-La consagrado à mais caprichosa objectivação subjectiva, o estrangeirado já sabe onde se lhe encontra a semente — e sabe-o porque no seu foro íntimo o estrangeirado tem uma inconfessável pátria secreta: em geral, aquela que lhe vai despejando uns trocados nos bolsos...
Assim, uma vez que a economia local parece ter atingido um estado de anemia de que não há memória, também nunca foi tão fácil cair no hediondo crime de sacrilégio xenófobo, já que os selectos clubes de cujas filologias depende tanta economia doméstica tiveram de se multiplicar para prover a todos os gostos. Em consequência, embora a francofonia tenha perdido aquela firmeza de peito que já fez todo o seu charme, continua in a divisão de elite dos apologistas da aplicação da certificação de Cambridge aos pedigrees das nossas crianças, embora na sua peugada siga o afanoso leque de visionários do mandarim, ele próprio estridentemente perseguido pela turbamulta de cliques que advogam uma generosa distribuição de doses cavalares de espanhol, alemão, sueco, russo ou até do crioulo de Cabo Verde. Ressuscitaram inclusive da noite dos tempos uns adeptos da inevitável implantação do português do Brasil.
Subjugado pela magnificência dos potentados que insuflam toda esta tropa fandanga de barões da retórica e dilacerado pela explosão das respectivas urgências, redescobre-se perplexamente o velho pata-ao-léu como bárbaro invasor deste mesmo chão que o viu nascer, como ancestral tributário já não só dos destronados donos disto tudo, como também dos mais modernos e discretos comissários da coisa alheia...
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Do Allgarve ao Poortugal foi o tempo de um salto — ou de um assalto, se preferirem.
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[1, 4]
Mais como resultado de um triste macaquear da retórica frustrada dos imperialismos prematuramente esboçados nos mapas da Conferência de Berlim do que pela lenta agonia da nossa ancestral independência, o nacionalismo primário foi-se tornando durante o século XX um dos mais arreigados erros de paralaxe dos condóminos deste jardim à beira-mar plantado — e assumiu tal dimensão que nas décadas mais recentes se veio igualmente a tornar um dos mais censurados e perseguidos. Infelizmente, pelas piores razões.
Com efeito, os inquisidores mais comuns dos nacionalismos impenitentes são hoje aqueles dandys libertários provenientes de todo o espectro ideológico que se vão deixando encalhar nas saudosas utopias de estilo zhongshan ou nas saborosas dietas do palhaço Ronald. Ora estes apóstolos da moderna globalização cuja revolução cultural consiste na lapidação dos "provincianos" adversários com os contundentes epítetos de "elitistas", "retrógrados", "xenófobos", "sexistas", "homófobos" e intolerâncias quejandas, ignoram no seu torpor intelectual como são eles próprios o mirrado fruto daquele mal que tanto censuram.
Torna-se urgente lembrar, portanto, que o espírito tacanho e sectário a que se convencionou dar o nome de "nacionalista" está muito longe de ser um atavismo dos avoengos. Bem pelo contrário, não passa de uma das principais novidades que o fino engenho das luzes elevou à ribalta por volta de 1789 — tão precisado estava de uma nova quimera que subsumisse definitivamente os Povos na massa.
Desde então, a "Nação", esse lugar vago em que qualquer um pode nascer, essa terra de iguais que nos convencem ser nossa para além dos muros de cada quintal, essa área colorida e bem delimitada que se mostra coberta de números e setas num mapa, foi apenas o engodo que permitiu transitar das comunidades de Povos para o exército permanente, para o belicismo industrializado, para o estado de guerra perpétua...
... e o "nacionalismo", a ideologia que acabou por se lhe colar, foi aquele reducionismo curto e bombástico bem adaptado às parangonas dos jornais diários, segundo o qual todos os males que afectam o povo se podem atribuir a quaisquer gigantes "estrangeiros" de acordo com as conveniências da moda.
Ora, não foi essa tacanhez de espírito que levou Portugal aos quatro cantos do Mundo — sobretudo, não foi essa pequenez que nos pretendem impingir os luminosos que permitiu a Portugal lá se manter durante mais de quinhentos anos. O "nacionalismo" tem tanto de português como a bomba atómica, e os portugueses tropeçam e apoucam-se de cada vez que se enganam.
Quanto aos apóstolos do globalismo universalizante, não se apercebem que são o pólo dialéctico dessa máquina infernal destinada a moer os Povos até os reduzir a uma massa estandardizada e inerte, pronta a modelar por qualquer demagogo inspirado. Se para os "nacionalistas" todos males se devem a bichos-papões vindos de longe, para o janota globalizado, vista ele fatiota cinzenta ou calças de ganga, o inferno exala em directo do vizinho ao lado, que continua a lambuzar-se com o salpicão que lhe mandam lá da aldeia sem pagar tributo a nenhum "poder mais alto"... seja ele dividendo ou imposto...
À bon entendeur...
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Nacional-Socialismo para o Século XXI. Ou o Nacional-Saloiismo sempre no seu melhor...
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[1.3]
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Portugal, seja lá isso o que for nos dias que correm, está caído no esgoto — e para quem se vai dando ao trabalho de percorrer os compêndios de História nem se trata de uma novidade excitante... Curiosamente, ou talvez não, este país quase milenar parece desde há algum tempo ter cismado em bater num fundo cada vez mais abjecto de cada vez que se perde.
Passe o dramatismo dos sonhos desfeitos, o que têm de mais interessante estes finais de ciclo é a capacidade de nos deixarem sempre perplexos perante o confrangedor espectáculo da eterna repetição do mesmo. E desta vez, a despeito das inebriantes parangonas do progresso e das inesgotáveis maravilhas que a cartola da tecnociência vai despejando a torto e a direito, a pobreza desnorteada do guião que resolveram seguir os protagonistas do descalabro não consegue sequer iludir na maioria de nós a desconfortável sensação de déjà vu.
Assim, ao mesmo tempo que os defraudados do sistema são mantidos ao rubro pelos autos de fé diariamente encenados nos telejornais, que os acomodados do costume se vão embriagando com as torrentes de ambrósia que só nestes olimpos serôdios da falsa moeda conseguem jorrar e que os liquidatários da massa falida secretamente festejam a abolição de toda a moral, lá se vai escamoteando da atenção da plebe tudo aquilo em que seria conveniente pensar...
... sobretudo, em como até pode ser todo o planeta que está caído no esgoto...
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[1.2.]
[20150819]