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Um dos mais insistentes desígnios dos Modernos dirige-se contra todos aqueles núcleos de inteligibilidade em que se firma a coesão de qualquer comunidade orgânica, e é nesse importante fenómeno que reside todo o seu paradoxo — pois onde dizem eles que iluminam, obscurecem, onde dizem que libertam, submetem, onde dizem que elevam, aviltam, e onde dizem que promovem, fazem retroceder...

 

Em suma, de cada vez que se ouve a voz de um Moderno (e hoje são quase todas) afirmar uma boa intenção — convém por sistema decifrar a perversão que nela se oculta...

 

Vem isto a propósito do relativismo sobranceiro, do laicismo, do agnosticismo e até do ateísmo militantes que se tornaram muito recentemente apanágio de uma vanguarda da tecnociência que (mais uma vez) se quer autopromover aos píncaros da racionalidade... "ilustrada".

 

Com frequência, estes aprendizes de feiticeiro de formação dita "científica" pretendem fazer radicar o seu "esclarecimento" em ideias vagas associadas ao exponencial progresso técnico, económico, social, ... que viria pautando a história da humanidade sobretudo desde o alvor da sacrossanta Revolução Francesa.

 

Convém desde já esclarecer que grande parte dessas ideias resulta essencialmente de uma mão-cheia de lugares-comuns histórico-filosóficos adquiridos no curto período de exposição às "humanidades" a que todos somos submetidos durante a necessária passagem pelo ensino obrigatório e das doses cavalares de séries de "ciência-espectáculo" que actualmente preenchem a parte de leão das grelhas do telelixo que nos é debitado via TV Cabo, depois sabiamente decantadas em meia dúzia de jornalecos da treta...

 

Como não nos vamos deter agora numa exposição detalhada deste paleo-novel "espírito científico", basta-nos sublinhar que os seus tópicos gravitam em torno de uma massa colossal de materialismo ingénuo envolta por uma casquinha dourada de Darwinismo for dummies e uma pitada de positivismo Comtiano (este é mais facilmente assimilável do que a versão neo), tudo isto devidamente acompanhado por uma boa dose de lógica da batata pragmática...

 

Preferimos passar directamente à constatação de que para estes iluminados uma das mais elementares antíteses civilizacionais é aquela que opõe

 

CIÊNCIA vs. RELIGIÃO

 

(tão óbvia — não é?).

 

 

Chegados aqui, bem poderíamos desligar o computador, contemplar languidamente através da janela o longínquo horizonte (hoje assaz soalheiro) e passar o resto da tarde estendidos ao sol, idealizando a estrutura um genialíssimo tratado sobre esta matéria que tão dolorosamente nos dilacera...

 

... ou então, saltar directamente lá para as bandas de 1789 e apreciar brevemente como conseguiram os nossos filantropos amigos baralhar-nos de tal maneira o esquema...

 

 

Ora, de entre as coisas que convém ter presente quando nos dedicamos a apreciar um dos mais excruciantes eventos deste nosso deambular pelo mundo é que nos derradeiros lustros do século XVIII o conceito de "religião" estava ainda muito longe de se confinar àquela espécie de "bizarria psicótica de retardados" que os apóstolos da tecnociência gostam agora de parodiar... Embora os Republicanos Laicos e Socialistas tenham actualmente alguma repugnância em o admitir, uma das maiores preocupações dos seus congéneres da época foi precisamente a de instalar... a sua nova religião:

 

o culto de la Déesse Raison...

 

... sem esquecer sequer que os próprios "ateus" da altura não desdenhavam louvar as incomensuráveis virtudes desse... Ser Supremo...

 

Aliás, em boa verdade, só a linhagem de néscios "ateus nihilistas" que começou a florescer bastante mais tarde — exactamente como consequência do grosseiro fiasco da tentativa de reescrever a Ordem do Mundo pela geração de '89 — parece ignorar que muitos daqueles que nos dias hoje publicamente se vangloriam de professar "o mais saudável agnosticismo" continuam a depositar o dízimo aos pés do seu discreto Ser Supremo por trás de portas fechadas...

 

 

Atendendo a que o banho de sangue que trouxeram o Terror, o Consulado e o Império acabou por mostrar aos gauleses as verdadeiras garras dessa Razão Divinizada e os delírios deístas a que sempre esteve associada não passaram de especiosos artifícios de auto-refutação, restava apenas aos Iluminados de linhagem continental o desesperado refúgio na Razão Ateia para se fazerem valer entre as populações precavidas contra a sua já ineludível demagogia filantrópica...

 

Torna-se assim muito fácil começar perceber como as derivas especulativas do século XIX encontram parte da sua origem na estrondosa derrota da Nova Ordem perante as "lições dos egrégios avós" e no desmascarar das falsas promessas dos modernos aprendizes de feiticeiro pelas incontornáveis lições da Religião de Todos os Tempos...

 

... e quais os motivos que presidiram ao acintoso divórcio entre a "ciência" e a "religião".

 

 

Permanece apenas por esclarecer em que consiste aquele conceito de "religião" que tão claro era ainda para os nossos avoengos de todos os partidos e que os Modernos, no seu afã de evadir a derrota final, tudo fizeram (e continuam a fazer) por confundir ---

 

Ao contrário do que nos querem fazer crer esses contumazes depositários da falsa ciência, "religião" é um conceito que só marginalmente pode ser associado a qualquer crença sobrenatural, doutrina esotérica, culto da transcendência, rito, mito, misticismosuperstição ou fantasmagoria...

 

Ou melhor: — os contumazes depositários da falsa ciência apenas pretendem colar o conceito de "religião" a crenças sobrenaturais, doutrinas esotéricas, cultos da transcendências, ritos, mitos, misticismos, superstições e fantasmagorias para que deixemos de considerar aquilo para que ele genuinamente remete:

 

o conjunto de valores partilhados que está na origem de qualquer sociedade

 

ponto.

 

É esta mistificação da religião que realizam os Modernos que permite transformar o Cristianismo numa espécie de delírio esquiozofrénico de Evangelistas e Apóstolos, relegando para a obscuridade a respectiva ontologia e axiologia.

 

É esta mistificação da religião que lhes permite equiparar todas as religiões, como se fossem neutrais as estruturas ontológicas e axiológicas que cada uma delas organicamente encerra.

 

É esta mistificação que lhes permite sobrevalorizar as éticas ideológicas abstractas face às axiologias concretas das religiões — as primeiras como pretensos frutos da volição racional e as segundas como suposto produto de mitos delirantes e irracionais.

 

É, finalmente, esta mistificação que lhes permite desagregar todas as comunidades orgânicas, fazendo-lhes crer que os valores em que tradicionalmente radicam não passam de ingénuas fantasias, muito vantajosamente substituídas por uma panóplia de ideologias à medida de cada ser isolado.

 

 •

 

Assim nos fazem esquecer que toda a ideologia encerra em si mesma uma religião abstracta — isto é, um conjunto de valores centrais que pretende impôr independentemente de toda a experiência.

 

Tal como se nos obscurece o espectro daquela Nova Religião segundo a qual o ser humano se deve submeter aos valores do mais abstracto pragmatismo — a Religião da Tecnociência, ou mais fundamentalmente ainda, como nos começa a ser dado ver a cada dia que passa: a da Teociência...

 

 

EWS img.jpg

Uma celebração ateia à porta fechada... ou porque lhes faz tanto jeito o Estado laico
(Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick)

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publicado às 18:38

23. Tudo aqui...

por PM, em 15.07.16

Só porque encontrei a versão completa, com letra e tudo...

 

 

 

Demagogia (1982)

Lena d'Água & Atlântida

 

Dão nas vistas em qualquer lugar
Jogando com as palavras como ninguém
Sabem como hão-de contornar
As mais directas perguntas

Aproveitam todo o espaço
Que lhes oferecem na rádio e nos jornais
E falam com desembaraço
Como se fossem formados em falar demais

Demagogia feita à maneira
É como queijo numa ratoeira

P'ra levar a água ao seu moinho
Têm nas mãos uma lata descomunal
Prometem muito pão e vinho
Quando abre a caça eleitoral

Desde que se vêem no poleiro
São atacados de amnésia total
Desde o último até ao primeiro
Vão-se curar em banquetes, numa social

Demagogia feita à maneira
É como queijo numa ratoeira

 

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publicado às 10:36

22. Maniqueismo Ideológico

por PM, em 15.07.16

Uma das mais importantes "consequências lógicas" da "espontaneidade da história" que atrás referimos é o "maniqueismo ideológico".

 

(Usamos a expressão "consequência lógica" para designar de forma simplista o mecanismo Hegeliano da "dialéctica", embora os contornos deste o associem muito mais a um dispositivo ontológico do que a um processo lógico em sentido estrito.)

 

Uma vez que após a adesão a qualquer escatologia mundana (i.e., a visão do "fim da história" associada a qualquer ideologia), o aderente imediatamente percebe como esta se encontra relativamente longe de atingir a realização (ou, no mais favorável dos casos, a plenitude), é suficiente para a engenharia social dos Modernos fornecer-lhe generosamente o guião que lhe indique quais os execráveis antagonistas do final feliz subscrito e qual a melhor forma de os abater.

 

A presença deste mecanismo maniqueista em quase todos os estratos de quase todas as sociedades humanas é suficientemente evidente para que possamos dispensar aqui uma lista de exemplos (como dissemos, trata-se mais de um dispositivo ontológico do que de um processo lógico — e embora seja constituído por três momentos, cingimo-nos aqui aos primeiros dois, o da tese e antítese, que são aqueles em que radica a formação da polaridade geradora de todo o dinamismo posterior).

 

(Depois destas breves linhas, podemos também constatar que embora nos seja muito útil alguma preparação filosófica, não são necessários longos tratados para enquadrar de forma sucinta as formas da presença humana no mundo. É por isso que a cibernética é uma das ciências mais antigas e úteis. E é por isso também que ela não nos é ensinada nas escolas públicas nem se lhe prevê uma única linha nos respectivos programas oficiais — além de estar sistematicamente sujeita a processos de mistificação nos mass media).

 

 

Encontra-se aqui identificado, portanto, um dos mais simples dispositivos da cibernética de todos os tempos, bem como a "afinação" que os engenheiros sociais da Modernidade lhe introduzem.

 

Ou seja — como ao princípio ancestral do maniqueismo, os Modernos associam a engrenagem das redenções "a la carte".

 

Ou seja ainda — como à primazia multimilenar das religiões, vieram enxertar a panóplia das ideologias.

 

(Não se deduza daqui alguma suposição de que todas as religiões seriam iguais, de que todas elas seriam, ainda que aproximadamente, "maniqueistas" ou sequer de que elas não passariam de uma espécie de "ideologias primitivas" — aliás, já referimos antes como uma das principais características de quase todas as ideologias é a de tenderem a propor uma redenção do homem neste mundo, geralmente vista até como uma redenção do homem pelo homem — ou seja, como a uma teleologia transcendente sobrepõem uma cartografia para o "fim da história". Acreditamos que estas características são suficientes para distinguir as ideologias da generalidade das religiões "tradicionais".)

 

(Mas deixemos para já a questão religiosa e regressemos aos mais prosaicos maniqueismos ideológicos.)

 

 

Agora que já nos apercebemos como os nossos amigos Modernos nos oferecem à discrição uma cada vez mais abrangente ementa de sistemas de interpretação do mundo e da vida (as ideologias, como dissemos), cada um deles acoplado a um tipo de final feliz capaz de agradar a algum grupo particular de indivíduos (as escatologias) e, simultanemente, associado a algum outro grupo particular de indivíduos cujo único desígnio é o de obstar à realização desse final feliz (os antagonistas), é impossível que o universo não nos apareça muito mais claro !

 

Uma das primeiras constatações é a de que deixa de ser obscura a razão porque as ideologias nos costumam aparecer aos pares !

 

Senão, vejamos: a fisiocracia e o mercantilismo, o livre-cambismo e o proteccionismo, o tradicionalismo e o progressismo, o absolutismo e o constitucionalismo, o materialismo e o animismo, o evolucionismo e o criacionismo, a monarquia e a república, o liberalismo e o socialismo...

 

... A lista é virtualmente inesgotável, e aqueles que apreciam este género de elencos são vivamente aconselhados a matricular-se em algum curso livre de Filosofia Analítica e a requerer ser demora um título de terceiro grau em qualquer franchise do esclarecimento...

 

Todavia, progredir neste tipo de ciência iniciática é um pouco mais complexo, uma vez que envolve já alguma familiaridade com as artes combinatórias... aliás, como gostam de nos lembrar os Grandes Mestres devidamente encartados, "só por ser feito de mudança, o mundo pula e avança"...

 

A título de exemplo, bastará recordar como a Operação Barbarossa e a exaustão do idílio Molotoff-Ribbentropp conduziu o comunismo soviético a metamorfosear aquele seu longo antagonismo com o capital numa estrategicamente mais proveitosa querela com os ditos fascismos...

 

Aliás, este borboletear dialéctico dos nossos amigos de inspiração marxiana tem sido notável ao longo dos tempos e das peripécias do xadrês geoestratégico... Por cá, neste nosso portugalito de segunda linha entregue a mais uma deriva de progressismo democratizante, temos agora ocasião de testemunhar em directo e ao vivo como o nosso fidelíssimo partido estalinista está a meter na gaveta toda a retórica do colectivismo internacionalista a fim de disputar àquele grupo de indivíduos mais sedentos de... acção... os trunfos da bandeira do nacionalismo e do patriotismo...

 

Mas enfim... façamos agora uma pausa higiénica. Ainda é cedo para nos dedicarmos a lides mais... sintéticas...

 

 

E para que não continuem a dizer que somos uns pseudointelectuais impenitentes e petulantes, aí fica uma versão pop daquilo que hoje preferimos deixar de ouvir...

 

 

 

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publicado às 09:54

21. Espontaneidade da História

por PM, em 12.07.16

Aproveitando a embriaguês de adrenalina que nos proporcionou a glória primal de sentir sob os pés aquele latejar de vida estrangeira, não vamos deixar que se desvaneça tão subitamente o ímpeto que nos move para derrubar — ainda que em efígie — todos os caquécticos ídolos do progressismo vigente...

 

... e uma vez que a ufania dos Iluminados que os enaltecem se escora apenas sobre as falácias e falsas evidências do senso comum — ainda que abrilhantadas com as lantejoulas de academismos pedantes e entronizações mediáticas —, dedicaremos seguidamente uma parte do nosso tempo livre à apreciação de alguns dos lugares-comuns que mais facilmente se têm difundido nesta democrática era da ciência pop...

 

 

A Espontaneidade da História

 

A crença ingénua naquilo que podemos designar como "espontaneidade da história" foi um dos mais insidiosos narcóticos que por cá nos veio reciclar o demo-liberalismo pós-Abrilista.

 

De um ponto de vista da cultura popular disseminada pelos mass media liberalizados, ela consiste apenas na vaga noção de como o afastamento do "bicho-papão do fascismo" nos veio finalmente reenquadrar naquele pano de fundo civilizacional propício à realização de todas as aspirações do ser humano no mundo.

 

Com efeito, dizem-nos, instalado o princípio da "soberania popular" num sistema de "pluralismo democrático", será virtualmente impossível que a vontade da maioria não se repercuta em decisões sumamente esplêndidas não só para todos aqueles que as subscreveram como para as demais marginalidades sobrantes — e, ainda para além disso, como se pode dar por adquirida a favorável transposição dessas esplêndidas decisões para a complexa esfera da sociedade em geral.

 

A materialização deste inebriante estado de espírito atingiu o apogeu entre nós no início dos já longínquos anos de 1990, logo depois da adesão à então CEE, com o postulado Cavaquista dos "bons alunos" —

 

emancipado este povo da menoridade que lhe teria imposto a abominável ditadura, mais não lhe seria necessário do que assimilar os soberbos princípios das luminárias do Capitalismo Avançado para que, como se por magia, todo o tapete do Progresso e da Abastança se lhe desenrolasse naturalmente — lá está, espontaneamente — sob os pés.

 

— ora, se não nos custa aceitar que este tipo de ingenuidades acabasse por seduzir os espíritos mais pobres (até porque se confirma que é exactamente a eles e aos seus apaniguados que estão franqueados os Reinos das Alturas), já nos é mais antipático ter de admitir que os glitterati locais lhe dessem igual guarida.

 

Mas é aqui que devemos dar o braço a torcer, pois na verdade esta ideia segundo a qual há alguma "força benevolente" conduzindo os "negócios do mundo" para além de todos os incontáveis "desígnios dos homens" é, sem dúvida, um dos mais poderosos sustentáculos da Modernidade...

 

(Como triste sinal dos tempos que correm, temos de abrir aqui um parêntesis para lembrar aos mais deficientemente informados, e serão muitos, que dentro de um espírito genuinamente Cristão não há nada de minimamente enaltecedor a esperar deste mundo — nem sequer neste mundo, para o efeito.)

 

 

Sem pretender teorizar longamente sobre o assunto, e de forma a permanecer até mais próximo das formas da razão secular que presentemente nos moldam, será suficiente começar pela singular engenharia Hegeliana, que na sua ala direita ostenta a bandeira do Volksgeist com as diversas cores das virtudes nacionalistas, e na oposta ala esquerda cede o lugar à mais popularucha luta de classes sob um económico e monocromático uniforme internacionalista.

 

Em ambos os casos, promete-se como solução para todos os dramas individuais o inelutável sucesso mundano dos partidos. (E para o público em geral não interessa para já levantar o véu sobre o resto da história — ou "História", com "H" maiúsculo, para ser mais preciso...)

 

Para aqueles a quem este espírito de manada não ultrapassa o limiar do insosso, a Modernidade oferece alternativas q.b.

 

Os direitistas individualistas, megalómanos por natureza, poderão apreciar a bandeja de prata dos voluntarismos Nietzschianos... Ao som da Cavalgada das Valquírias são de êxito garantido para os lados de Hollywood. Quanto aos impenitentes subjectivistas de esquerda, não ficarão mal servidos com umas gotas de anarquismo russo. Face às mais desbragadas titilações do libertarismo contemporâneo, oferece a louvável compostura de um puritanismo de pendor Soviético.

 

O cúmulo do requinte está, porém, reservado aos materialistas radicais — para que se não possa insinuar que estes se encontram além do bem e do mal (não seria um bom augúrio para quem precisa de assinar contratos...), a infatigável inventividade da Modernidade oferece-lhes o liberal amparo da mão invisível de Adam Smith...

 

 

Não será necessário avançar muito mais para perceber como este pano de fundo de optimismo escatológico vertido para as coisas do mundo, como esta crença num benevolente e incontornável progresso da humanidade a despeito das tribulações dos seres humanos concretos no mundo, não é simplesmente "apenas mais uma" das características da Modernidade — mas sim um dos seus axiomas centrais, a partir do qual todo o resto decorre.

 

Mas suspendamos agora o juízo... afinal, haverá quem não perceba porque nos preocupa um problema tão bizantino...

 

... Bem...

 

... porque é exactamente essa presunção de um "feliz desenlace mundano para os problemas do mundo" que compromete o destino do homem a qualquer "ideologia salvífica" — ou seja, que compromete os incautos com um partido qualquer... Ou ainda, para ser mais claro — que dissolve as comunidades de interesses naqueles indivíduos interesseiros, naqueles lobos do homem mensageiros da sordícia, da servidão e da morte...

 

 

E só porque apareceu por acaso...

 

banksters1.jpg

 

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publicado às 04:53

20. Celebremos !

por PM, em 10.07.16

Não há nada como um dia de apoteose cibernética, um dia de esférico júblilo da cultura pop, para justificar a quebra do silêncio de um ano.

 

Trata-se, sem dúvida, de um dia a celebrar — a celebrar em primeiro lugar pelos que apenas podem desfrutar da catarse dos êxitos alheios... pois saboreio até já eu próprio o glorioso aroma da grelhada num pátio vizinho. A cuja olfactiva sedução se alia o não menos aromático embalo das mornas crioulas a que nos mandam hoje marchar. E para coroar esta exaltação dos sentidos, não falta sequer o lubrificante perfume do arco-íris, aquela promessa de fruição sem espartilhos quando já pouco mais há a gozar para além dos mesmos corpos em que nos querem encerrar.

 

Celebremos, portanto, a festa dos despossuídos, pois são as miragens de felicidade que lhes enviam as fábricas dos sonhos que acabam por condignamente os associar ao justo gáudio do Dia do Senhor...

 

 

Mas é precisamente esta celebração que nos aponta mais alto, em direcção aos engenheiros da fantástica machina que de tão quase-nada nos sabe elevar até aos cumes do gozo... Prestemos, por isso, a devida vénia aos afanosos artífices do sistema que nos tem nutrido de tão colossais benefícios — os comissários e comissionistas, os mercenários e mercantilistas que tão habilmente têm sabido converter em numerário todos os "trastes inúteis" que nos legaram os avoengos.

 

São esses os heróis ignotos do colossal Império da Prosperidade que se desenha na Nova Europa. Não nos deixam em monumento uma única linha de verso épico, mas em contrapartida não lhes conseguimos represar a torrente de "prosa legal" com que nos têm sabido submergir cada passo. Desde a economia à finança, desde a saúde à educação, desde as ciências de ponta às artes circences — não deve haver uma única parcela da nossa existência que nos tenham poupado às suas assombrosas técnicas de optimização...

 

... E se nos vão argumentando como o quintal do avô estaria bem melhor entregue à diligência de qualquer falante estrangeiro, é certo que nos têm recompensado com uma criativa parafrenália de prémios, incentivos e subsídios para que nos saibamos manter naquela boçalidade muda e queda que tanto convém.

 

Afinal, que nos pode interessar a quem pertencem os estádios quando é "nossa" a equipa que ganha ?

 

 

Ainda assim, para todos aqueles que poderiam acreditar que as razões de celebração já seriam bastantes, faltará recordar a mais importante — aquela que nos eleva até às mais sublimes esferas da sageza e da filantropia: a de nos congratularmos com a inesgotável desmonstração de generosidade dos arquitectos disto tudo.

 

Pois em boa verdade está ainda fresca a notícia de que mais um dos insignes oficiais deste nosso apogeu civilizacional — nada menos que o Dr. Durão Barroso, aliás, em bom europês, o "Mr. Jose Barroso" — acaba se se juntar aquela plêiade de outros insignes lusitanos, como o Dr. Vítor Constâncio ou o Eng. António Guterres, que o "Primeiro Mundo" decidiu chamar à mesa da cornucópia do "Mercado Global".

 

Que nos pode interessar saber que foram eles mesmos quem dirigiu os destinos da coisa pública doméstica até à derrocada que esse mesmo "Primeiro Mundo" agora tão asperamente censura ?

 

Que nos pode interessar, portanto, a quem pertencem os estádios quando os treinadores são tão magnanimamente gratificados pela organização ?

 

Que nos pode interessar a servidão a que nos reduzem quando nos espezinham tão portentosos "Mistéres" ?

 

 

Celebremos, enfim, pois não se adivinha sequer a mais ínfima razão para deixar de o fazer — celebremos enquanto permanece desconhecido o resultado desta "Final do Euro"...

 

Celebremos sobretudo agora, antes de se tornar previsível um resultado... Independentemente da equipa que ganhe, talvez se trate mesmo de um Brêxito efémero...

 

Afinal, que nos pode interessar o jogo quando do alto sempre lhe mudam as regras ?

 

 

Glória.jpg

In your dreams, babe...

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publicado às 18:23


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