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"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
Uma das mais importantes "consequências lógicas" da "espontaneidade da história" que atrás referimos é o "maniqueismo ideológico".
(Usamos a expressão "consequência lógica" para designar de forma simplista o mecanismo Hegeliano da "dialéctica", embora os contornos deste o associem muito mais a um dispositivo ontológico do que a um processo lógico em sentido estrito.)
Uma vez que após a adesão a qualquer escatologia mundana (i.e., a visão do "fim da história" associada a qualquer ideologia), o aderente imediatamente percebe como esta se encontra relativamente longe de atingir a realização (ou, no mais favorável dos casos, a plenitude), é suficiente para a engenharia social dos Modernos fornecer-lhe generosamente o guião que lhe indique quais os execráveis antagonistas do final feliz subscrito e qual a melhor forma de os abater.
A presença deste mecanismo maniqueista em quase todos os estratos de quase todas as sociedades humanas é suficientemente evidente para que possamos dispensar aqui uma lista de exemplos (como dissemos, trata-se mais de um dispositivo ontológico do que de um processo lógico — e embora seja constituído por três momentos, cingimo-nos aqui aos primeiros dois, o da tese e antítese, que são aqueles em que radica a formação da polaridade geradora de todo o dinamismo posterior).
(Depois destas breves linhas, podemos também constatar que embora nos seja muito útil alguma preparação filosófica, não são necessários longos tratados para enquadrar de forma sucinta as formas da presença humana no mundo. É por isso que a cibernética é uma das ciências mais antigas e úteis. E é por isso também que ela não nos é ensinada nas escolas públicas nem se lhe prevê uma única linha nos respectivos programas oficiais — além de estar sistematicamente sujeita a processos de mistificação nos mass media).
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Encontra-se aqui identificado, portanto, um dos mais simples dispositivos da cibernética de todos os tempos, bem como a "afinação" que os engenheiros sociais da Modernidade lhe introduzem.
Ou seja — como ao princípio ancestral do maniqueismo, os Modernos associam a engrenagem das redenções "a la carte".
Ou seja ainda — como à primazia multimilenar das religiões, vieram enxertar a panóplia das ideologias.
(Não se deduza daqui alguma suposição de que todas as religiões seriam iguais, de que todas elas seriam, ainda que aproximadamente, "maniqueistas" ou sequer de que elas não passariam de uma espécie de "ideologias primitivas" — aliás, já referimos antes como uma das principais características de quase todas as ideologias é a de tenderem a propor uma redenção do homem neste mundo, geralmente vista até como uma redenção do homem pelo homem — ou seja, como a uma teleologia transcendente sobrepõem uma cartografia para o "fim da história". Acreditamos que estas características são suficientes para distinguir as ideologias da generalidade das religiões "tradicionais".)
(Mas deixemos para já a questão religiosa e regressemos aos mais prosaicos maniqueismos ideológicos.)
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Agora que já nos apercebemos como os nossos amigos Modernos nos oferecem à discrição uma cada vez mais abrangente ementa de sistemas de interpretação do mundo e da vida (as ideologias, como dissemos), cada um deles acoplado a um tipo de final feliz capaz de agradar a algum grupo particular de indivíduos (as escatologias) e, simultanemente, associado a algum outro grupo particular de indivíduos cujo único desígnio é o de obstar à realização desse final feliz (os antagonistas), é impossível que o universo não nos apareça muito mais claro !
Uma das primeiras constatações é a de que deixa de ser obscura a razão porque as ideologias nos costumam aparecer aos pares !
Senão, vejamos: a fisiocracia e o mercantilismo, o livre-cambismo e o proteccionismo, o tradicionalismo e o progressismo, o absolutismo e o constitucionalismo, o materialismo e o animismo, o evolucionismo e o criacionismo, a monarquia e a república, o liberalismo e o socialismo...
... A lista é virtualmente inesgotável, e aqueles que apreciam este género de elencos são vivamente aconselhados a matricular-se em algum curso livre de Filosofia Analítica e a requerer ser demora um título de terceiro grau em qualquer franchise do esclarecimento...
Todavia, progredir neste tipo de ciência iniciática é um pouco mais complexo, uma vez que envolve já alguma familiaridade com as artes combinatórias... aliás, como gostam de nos lembrar os Grandes Mestres devidamente encartados, "só por ser feito de mudança, o mundo pula e avança"...
A título de exemplo, bastará recordar como a Operação Barbarossa e a exaustão do idílio Molotoff-Ribbentropp conduziu o comunismo soviético a metamorfosear aquele seu longo antagonismo com o capital numa estrategicamente mais proveitosa querela com os ditos fascismos...
Aliás, este borboletear dialéctico dos nossos amigos de inspiração marxiana tem sido notável ao longo dos tempos e das peripécias do xadrês geoestratégico... Por cá, neste nosso portugalito de segunda linha entregue a mais uma deriva de progressismo democratizante, temos agora ocasião de testemunhar em directo e ao vivo como o nosso fidelíssimo partido estalinista está a meter na gaveta toda a retórica do colectivismo internacionalista a fim de disputar àquele grupo de indivíduos mais sedentos de... acção... os trunfos da bandeira do nacionalismo e do patriotismo...
Mas enfim... façamos agora uma pausa higiénica. Ainda é cedo para nos dedicarmos a lides mais... sintéticas...
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E para que não continuem a dizer que somos uns pseudointelectuais impenitentes e petulantes, aí fica uma versão pop daquilo que hoje preferimos deixar de ouvir...