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"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
Em que a Iluminação
começa a dar luz
Depois de apontarmos a intimidação, a dissimulação e o discurso oblíquo como principais elementos estruturantes da "Resposta à Questão: — O que é o Iluminismo ?" e o anticlericalismo como seu objectivo fundamental, podemos finalmente explorar o texto kantiano na sua autenticidade — a de manifesto ideológico.
E se nos dermos ao trabalho de folhear um qualquer manual de história, teremos oportunidade de perceber porquê: afinal, o que se estava a engendrar na Prússia de finais do século XVIII era a recauchutagem do Reich que iria dedicar os séculos seguintes a exibir-nos a sua acutilante modernidade — e vale a pena ponderar sobre a questão, pois é através dela que mais rapidamente podemos chegar à intelecção de como tudo aquilo que se designa como "progresso moderno" não passa de um viscoso eufemismo para o mais genuíno retrocesso civilizacional.
Nesse momento histórico, porém, aquilo que mais faltava aos "Fredericanos" candidatos a Führer era todo um sistema sócio-político que desse algum lustro às suas novas vestes... despóticas... que os "esclarecesse", portanto... E era precisamente nesse particular que os "Iluminados" já tão boas provas vinham dando desde... "fazia algum tempo"...
Munidos agora destas banalidades de "história de algibeira", a justa interpretação da "Resposta à Questão: — O que é o Iluminismo ?" torna-se bastante mais cómoda... e aquela quase invisível nota de rodapé logo na primeira página adquire assim a sua autêntica proporção:
" * A indicação da página da Berlinische Monatsschrift refere-se
à seguinte nota na frase: “Será aconselhável ratificar posteriormente o
vínculo conjugal por meio da religião?” do Sr. Preg. Zöllner: “Que é o Iluminismo?”
Esta pergunta, quase tão importante como esta “Que é a Verdade?”,
deveria receber uma resposta antes de se começar a esclarecer!
E, no entanto, em nenhum lugar a vi ainda respondida. "
Confima ao leitor atento que o nosso manifesto se enquadra deveras na acesa polémica sobre o lugar da religião (cristã) na sociedade, que entre os finais do século XVIII e os meados do século XIX atingiu o paroxismo. Nesta altura do nosso trajecto, a bem de nos atermos ao propósito inicial, não aprofundaremos a questão. Convém apenas reter que a "Revolução" que na Prússia se ia cozinhando em "banho-maria" era exactamente a mesma que em França tinha chegado a um impasse que só as guilhotinas vieram resolver...
Mas tergiversamos... regressemos ao nosso texto com brevidade, até porque quando se trata de religião (cristã) há muitos para os quais se torna suave o jugo da bota prussiana e desportivo o rolar das cabeças...
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6. "É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida."
— ... e infelizmente retomamos o nosso (pre)texto no registo da trivialidade... Arengando as massas como agente de recrutamento do Império em esboço, Kant transita agora para os juízos de valor... Afinal, perante o heroismo dos recrutas cerrando fileiras sob o fogo inimigo, que figura pode fazer o humilde devoto ajoelhado ao altar ?
— Que pode valer o apaziguamento de uma oração em comunidade ao domingo, quando lá fora se faz ouvir o tropel das Valquírias ?
— Adiante... O que representa então nestas alusões veladas o fogoso anticlerical ?
"um livro que tem entendimento por mim" — a Bíblia, só pode...
"um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral" — esta é óbvia...
o confessor, em primeiro lugar...
"um médico que por mim decide da dieta" — um pouco mais subtil...
são os jejuns e as penitências que ordena a Igreja...
— ... mas o que nelas verá simultaneamente o voluntarista filósofo ?
"um livro que tem entendimento por mim" — qualquer manual de doutrina,
só pode !
"um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral" — esta é óbvia...
são as restrições morais que ordena a Religião e a Tradição !
"um médico que por mim decide da dieta" — um pouco mais subtil...
o Mestre e a sua Autoridade !
— E depois ? Como exercício académico sugerimos que o entusiasta leitor lhes procure descortinar demais leituras possíveis... Porque é essa a plasticidade do véu: debaixo está aquilo que cada um quer ver, aquilo que cada um lá projecta...
— Portanto, olhemos para cima do véu — o que distinguiremos aí ???
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Trabalho para casa...
"Sobre a nudez forte da verdade
o manto diaphano da phantasia."
Eça de Queiroz
(escultura A Verdade, de Teixeira Lopes)
... ou quando se começam a tornar letais os anos "letivos"...
(isto é todo um painel de alusões veladas)