Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
Em que o Iluminista é um
Darwinista (social)
(antediluviano)
(etc.)
Acabámos de sugerir nós aquela académica incumbência de descortinar sentidos às crípticas insinuações do Mestre Idealista cujo opúsculo tão esmerada atenção nos tem merecido.
Na verdade, se na sugestão desse esquizofrénico exercício alguma lucidez nos assistiu, seria a consciência de que tem sido exclusivamente essa a tarefa que desde o início nos vimos propondo — uma vez que o Mestre, também desde o início, não tem passado de obscuras insinuações com que nos submerge a inteligência menor...
E contudo... talvez esse tolher das "inteligências menores" seja exactamente o ponto de apoio que nos faltava, pois é a subjugação daqueles espíritos mais opinativos, desorientados desde o primeiro instante no labirinto das interpretações, que favorece a emergência das principais facetas do texto, que várias vezes já apontámos — a emotividade e o apelo a motivos.
Ora, para pouparmos ao leitor mais uma daquelas digressões entediantes a que se tem vindo a habituar, iremos nós, eternos voluntaristas, directamente ao assunto:
— Como deixámos claro logo à partida, este manifesto ideológico (basta ler-lhe o título) visa a) empolgar o leitor, para simultaneamente, o incentivar à b) ousadia combativa ao mesmo tempo ainda que lhe aponta um c) antagonista "à medida" (não nos esqueçamos que, até agora, ele foi simplesmente sugerido, e não nomeado).
(Se permanece pouco claro o exposto acima, talvez valha a pena dar uma vista de olhos aqui.)
— Pois é nesta subtilíssima e pluriforme encenação (não nos esqueçamos que nem passámos ainda da primeira página do opúsculo!) que sobressai a Psicológica Genialidade Diversiva do Mestre:
1) O Irascível Mundano, fogoso e impulsivo,
já corre descendo até ao botequim mais vizinho com a
matraca escondida no bolso, pronto a lançar-se sobre o
primeiro censor que lhe apontem à frente...
2) O Irascível Mental, igualmente fogoso mas especialmente
precavido naquilo que toca ao desperdício de calorias, já corre descendo
também até ao botequim mais vizinho, pronto a apontar o primeiro
censor que se lhe levante à frente...
3) O Contemplativo Passivo, cogitabundo e idólatra,
encerra-se imediatamente no seu cubículo das águas-furtadas
sorvendo amorosamente cada ponto de exclamação do Mestre e redigindo
com diligência uma breve epístola para a "Coluna do Leitor" do seu semanário de
eleição, em que tece os maiores encómios à indómita clarividência do Mestre
("Mestre" é um daqueles epítetos que os Contemplativos Passivos mais
rebeldes gostam de empregar com insistência.)
4) O Contemplativo Obtuso, cogitabundo e ressentido,
encerra-se imediatamente no seu cubículo das águas-furtadas sorvendo
acrimoniosamente cada parêntesis do Mestre e reescrevendo com zeloso afã
trezentas breves epístolas para a "Coluna do Leitor" de um semanário que um dia
há-de publicar, em que corrói até ao mais ínfimo paralogismo cada sofisma do Mestre
("Mestre" é um daqueles epítetos que os Contemplativos Obtusos mais
irónicos gostam de empregar com insistência.)
... é que para além de estar preparado o palco para mais um sublime pronunciamento de sangue, procede a uma meticulosa selecção natural (veja-se o paralelismo com a dita maioridade natural) dos actores do processo, de acordo com os respectivos méritos:
alfa) vão sangrar os dispostos a sangrar
beta) vão vociferar os dispostos a vociferar
Os analfabetos nem se apercebem do que se está a passar
e...
gama) vai ganhar quem tem a gamar
Eis aqui, portanto, o processo revolucionário em epítome — e sob a óptica da luminosa justiça retributiva do ACUSADOR DO HOMEM. Ou seja, segundo os incontornáveis princípios do Darwinismo Social, que é, no fundo, a conclusão lógica daquele bastante mais poético Darwinismo Transformista que hoje já não incomoda ninguém.
E antes que nos comecem a lançar pedras como à mulher adúltera, deixai-nos notar que o Darwinismo que referimos é o do vovô Erasmus, coetâneo do nosso Mestre, e não o do seu célebre netinho Charles... este, vamos reservar para depois.
•
Antes de concluir, apercebemo-nos que deixámos apenas um pormenor por esclarecer ! Precipitação nossa, porque estávamos prestes a dar como óbvia a parte final do sexto extracto do texto em análise...
6. "É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida."
Esquecemo-nos de sublinhar que, de entre todas as interpretações possíveis, não há a menor razão para excluir as prosaicas... (Preferimos não usar o fantasioso termo "literal".)
... Pois o Iluminado, muito superior a toda esta retórica, sabe melhor que ninguém que não é no palco que distribuem os dividendos — e que aqueles que conhecem de onde extrair o maná não gostan de perder o seu precioso tempo com... "tarefas aborrecidas".
Ora...
"Après moi, le déluge..."
•••
Correcção do TPC
Se alinhavastes a coisa mais ou menos assim, tendes 18 valores...
Porque, como se dizia no tempo da Velha Senhora, "19 são para mim que vos ensino,
e 20 para Deus, que nos deve ensinar a todos."