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"As Cortes e a Constituição não são coisa nova nestes Reinos: são os nossos direitos e os dos nossos Pais." — in Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, de 15 de Dezembro de 1820
Em que isto é um pouco complexo mas...
prontos...
Depois desta nossa tortuosa caminhada pelo obscuro átrio da resposta à pergunta "O que é o Iluminismo ?" urge um balanço. Sobretudo porque não queremos (ser) mal entendidos.
A sistematização só nos tomará três tempos...
Este é o primeiro (olhem que podia não ser!): começaremos pelo próprio texto, e só no final o contextualizaremos.
Como fizemos questão de realçar nos artigos iniciais desta série, parece-nos que a intenção do autor na primeira parte do texto é essencialmente provocatória.
Longe de apresentar uma lacónica introdução ao tema cuja definição está em causa (o Iluminismo), o autor decide montar uma intimidação do leitor e para depois lhe apresentar a via para um desenlace feliz.
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Notemos assim de chofre que, curiosamente, a resposta à pergunta que nos ocupa começa pelo fim (ou seja, por uma "conclusão"), esgotando-se directamente logo na primeira linha do texto — não com uma definição canónica (género próximo e diferença específica ou, no mínimo, enumeração de características essenciais), mas através da apresentação de um desígnio (ou seja, de uma causa final — "O lluminismo é a saída do homem da sua menoridade").
A despeito de todas as leituras possíveis, esconde-se aqui uma implicação implícita relativamente à qual nunca será demais insistir:
muito mais do que um corpo doutrinal determinado,
o Iluminismo é um processo
Sendo assim, como bem parece estar consciente o autor:
em lugar de se esgotar numa definição,
o Iluminismo actualiza-se num lema
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"Sapere aude !"
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O carácter mutável e mutante do Iluminismo e da Modernidade já foi por nós abordado várias vezes. A ele regressaremos também com regularidade.
Agora basta sublinhar como esta plasticidade incircunscriptível cuja direcção apenas se pode apontar por referência a um desígnio, a um movimento, implica em termos de inteligibilidade a sua explicitação pelo que lhe é exterior — em particular, aquilo que lhe é antagónico.
Em termos mais acessíveis: uma vez que não se pode, ou não se quer, definir o Iluminismo positivamente, ou seja, canonicamente, restaria ao autor, para ultrapassar o estádio de semi-obscuridade conceptual em que nos mantém, definir aquele contexto em que ele surge, definir aquele estádio final para que aponta ou, ainda mais especificamente, definir aquela entidade ou situação que lhe é antagónica.
É esta a "terceira via" que escolhe o autor, contrapondo ao dinamismo indefinível do seu ente a definição do seu antagonismo (a menoridade é: "incapacidade de entendimento" & "orientação de outrem").
Se perante o telegrafismo nos serve ainda alguma lucidez, temos já aqui em anúncio aquilo que virá a ser a dialéctica hegeliana...
Mas para já, chega de espreitar para baixo do véu. Procuremos antes emergir até um nível mais superficial...
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Naquilo que toca o mais impressionável leitor mundano, aquilo que se fez foi muito mais elementar: apontou-se-lhe um antagonista.
Ou melhor: uma vez que o leitor mundano perante apenas duas linhas de texto se encontra fora de contexto, aquilo para que se lhe apontou foi um espectro — lá está... um fantasma de difuso contorno... em suma, um temor...
Repare-se bem que com esta operação aquilo que revela o nosso autor é a sua maestria perante a orquestra do mundo: no interior das mentes impressionáveis obteve psicologicamente o efeito de desencadear aquela torrente que depois apenas resta canalizar:
perante o temor abate-se o dilema...
SHOULD I STAY OR SHOULD I GO
— Elementar, meu caro Watson.
The Clash — "Should I Stay or Should I Go"
(in Combat Rock, 1982)
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(continuará...)