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38. Clitomania

por PM, em 15.11.16

... ou "Lamentamos este programa.
A interrupção seguirá dentro de momentos."

 

As violentas ondas de choque provocadas pelo terramoto que foi o resultado das recentes eleições presidenciais nos EUA, sobretudo porque ocorre poucos meses depois da não menos brutal erupção do Brexit, justificam plenamente uma pausa no nosso trajecto para lhe dedicarmos alguns momentos de reflexão.

 

Como não subscrevemos nem a linha editorial prefabricada dos media nem a histeria escandalizada dos activistas do pensamento único, preferimos pronunciar-nos à moda dos historiadores de antanho — ou seja, tendo dado aos eventos o tempo suficiente para nos oferecerem algo de substantivo, em lugar de nos tolherem a vista com a espuma dos dias.

 

Além disso, como não dispomos nem do tempo nem dos meios para uma meticulosa análise tratadística ou estatística, iremos limitar-nos a uns quantos conceitos-chave que, acreditamos, permitem lançar alguma luz sobre o paroxismo de irracionalidade em que se encontra mergulhada a vida política não só nos EUA como, em consequência, todo o Ocidente dito "democrático".

 

Não será este o lugar de os desenvolvermos em pormenor — o que nos interessa será apenas aproveitar o favorável contexto de "study case" que os eventos nos apresentam para os fazer sobressair na paisagem.

 

Para não fazermos perder tempo aos nossos leitores, avançamos sem mais demora.

 

 

 1) Escola Nova e Autocondescendência

 

Em finais do século XIX, os engenheiros do império global aperceberam-se que apenas podiam corrigir o curso de uma história que até então não se tinha vergado aos seus habituais e revolucionários Idealismos Utópicos através de um dispositivo mais radical do que a guilhotina e a decapitação dos pensantes divergentes. Aparece assim, ainda em esboço, aquele processo que em meados do século seguinte haveria de se manifestar mais plenamente na Revolução Cultural da China Maoista.

 

Ora, o esboço que se coloca então em campo é, precisamente, o da pedagogia elementar. Uma vez que a meritocrática escola de elites se encontrava já dominada através da reformulação moderna do ensino académico, havia que passar a um modelo mais abrangente, que garantisse igualmente o controlo das massas, ou seja — do número. Tinham de lhe chamar... Escola Nova.

 

Se tivermos presente que este processo avança em paralelo com o da afirmação da psicologia como "ciência autónoma" com Sigmund Freud, talvez se torne mais clara a sua interpretação.

 

Os instrumentos a reter são os de princípio de prazer e princípio de realidade. E o fim a obter é o da manutenção do indivíduo no estado larvar de "infantilismo carente".

 

Como não nos podemos alongar no assunto, é suficiente reter que para garantir a manutenção do ser humano num estádio de submissão ao desejo e à gratificação imediata (o do "princípio de prazer"), tão útil para a afirmação da sociedade de consumo que se deseja promover, basta "respeitar nas crianças os seus interesses e as suas necessidades". Ou seja, valorizar-lhes uma "espontaneidade e confiança" que as apeguem às "zonas de conforto do animal doméstico": satisfação gratuita das necessidades e afago prazenteiro...

 

"Mundo real, para quê ???"

 

Esse dispositivo que alimenta nelas o sentimento ficcional de conforto é precisamente o mesmo que socialmente promove a instalação da mediocridade autocondescendente.

 

 

2) Emotividade e Autocomiseração

 

O indivíduo instalado, nutrido e louvado na sua própria esfera de auto-gratificação, ou seja, como dissemos acima, que vive na aurea mediocritas da autocondescendência é um indivíduo que recusa uma mediação com o mundo, ou seja, no fundo, a própria realidade alheia.

 

São precisamente o conforto da mediocridade e essa recusa do mundo que embotam o desenvolvimento de uma racionalidade crítica e autónoma e das próprias aptidões gerais de sobrevivência. Esse estado de carência generalizada, ou seja, de dependência infantil, cria o ambiente propício para que se desenvolva nele um sentimento de insegurança emocional. Corrresponde isto, do ponto de vista social, à instalação do primado da emotividade e da autocomiseração.

 

Mais uma vez, isso que podemos também designar como hipersensibilidade burguesa (pois se manifesta sobretudo em hiperprotegidos ambientes urbanos) é um estado desejável na sociedade de consumo alienada que se deseja impôr, atendendo a que favorece a manutenção dos indivíduos numa situação de carência generalizada e necessidade compulsiva.

 

 

3) Autocomplacência e Hedonismo Masturbatório

 

Encerrado na autocondescendência e na autocomiseração, dependente para quase tudo de instituições benévolas que lhe garantam a satisfação das necessidade mais elementares, apenas restam ao indivíduo os desafios da autocomplacência.

 

Trata-se agora da absolutização do princípio de prazer. Se na infância ele corresponde a uma situação de dependência real, torna-se depois na adultícia um objectivo de vida. Deparamo-nos, portanto, com um habitual "hedonismo"... a que se associam características muito específicas.

 

Se o hedonista adulto e autónomo se manifesta mais plenamente no plano orgiástico do confronto com a alteridade, o nosso adulto emocionalmente inseguro procura o prazer na esfera de uma identidade mais ou menos autista, ou seja, mais ou menos intimista e apaziguadora — de forma breve, vejam-se como exemplos a industrialização da pornografia e do jogo solitário (aos quais se associa o fácil "Restart"), a entronização da masturbação, da homossexualidade ou da monogamia serial, as ditaduras do gosto e a tribalização das modas, o pensamento único e a ditadura do politicamente correcto, a criminalização do pensamento divergente e o puritanismo liberal, os algoritmos de busca de informação reconfortante... enfim, toda a parafrenália de instâncias protectoras de uma subjectividade tornada hiper-sensível, incapaz de se medir com a adversidade.

 

Mais uma vez, os agentes da sociedade de consumo compulsivo florescem neste contexto, proporcionando vastos cardápios para a satisfação de todos os desejos, inclusive os mais secretos, no mais confortável ambiente do lar...

 

 

4) Estereotipação e Intolerância à Frustração

 

Este paradoxal ambiente de estereotipação da subjectividade irredutível, ou seja, de licença massificada, não passa do reflexo esquizofrénico de uma sociedade rendida aos autismos subjectivistas de cidadãos condicionados pelo consumismo compulsivo e autogratificante.

 

Destituídos de uma consciência social que vá além da indissolúvel garantia de satisfação das suas necessidades mais básicas — comes e bebes, sexo, segurança, entretenimento — e afastados de qualquer aspiração a uma autonomia económica, intelectual ou afectiva, os indivíduos tornaram-se presa fácil do paraíso proletarizante de produção—consumo que o demo-liberalismo lhes oferece em bandeja de prata.

 

Além disso, condicionados pelo diktat do quarto poder à exaltação delirante de um libertarismo anarquista e subjectivizante cujo horizonte não vai além das bebedeiras embrutecedoras das noites de fim-de-semana, estes "proletários por convicção" não passam, sem sequer o sonharem, dos cidadãos ideais de uma sociedade rendida aos interesses da alta finança.

 

 

Pergunta de desenvolvimento

 

Manifestantes.jpg

Um destes dois grupos de manifestantes representa violentos extremistas
antidemocráticos que põem em causa a paz mundial e o entendimento entre os povos.

Identifique-o e exponha publicamente num breve discurso as razões porque o censura.

Se sobreviveu, parabéns!!! Apresente imediatamente a sua candidatura a um órgão de
comunicação democrático de grande tiragem. Vai ver como será premiado!

 

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publicado às 12:31



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