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6. Tempos Modernos (As Quedas)

por PM, em 02.04.15

Para a bem-aventurada fornada de idealistas que viu a luz no início da segunda metade do século XX e medrou embalada no regaço globalizante da Grande Matriz da Fraternidade Universal com as generosas colheradas da paparoca de substituição dos "amanhãs que cantam", o intempestivo reconhecimento da orfandade original nas cruéis garras da Realpolitik que se soltou da jaula logo nos primeiros anos do terceiro milénio produziu o triste efeito de uma baldada de água fria.

 

Se até então o cinismo sobranceiro e blasé desta escol de babete ainda se ia conseguindo alimentar com as derradeiras migalhas dos erários públicos, a ruína das torres anunciou com notável subtileza que "a liquidez" até então canalizada para os mananciais da "boa disposição" estava a fazer mais falta "noutras geografias". Maquilhar de tons graves a política macaca da sociedade circense em vigor deixava de ser uma prioridade — era chegado o momento de esquecer a sofisticação e regressar ao modelo do entretenimento barato. Afinal, depois da generalização da Grande Teia Global, até mudara de pouso aquela clientela instruída que lá ia rentabilizando os caquécticos bastiões mais elitistas do quarto poder.

 

Concluído mais um ciclo do investimento, regressava-se, portanto, à cultura dos pasquins, da literatura de faca e alguidar, das operetas de cabaré — à apologia fácil da licença geral, sejamos literais por uma vez. O ciclo da cobrança coerciva só tem a beneficiar com o nivelamento por baixo, e é essa mesmo a vanguarda que prepara o terreno para o poder dissoluto e dissolvente que tanto facilita a operação dos agentes de execução. No fundo, nem sequer seria muito bonito recusar a última vontade de um paraíso artificial aqui em baixo a quem já tudo perdeu nas alturas...

 

Atomizado e embrutecido pelas fabriquetas da bizarria e do ódio, o destroço aviltado da "mais bem formada geração" já não ousa aspirar a nenhuma imagem de Deus — destituído tanto de profundidade como de elevação, mortalmente ferido no orgulho e incapaz de se reconhecer entre andrajos, prefere a idealização bestial de uma inocência quadrúpede.

 

Da prometeica soberba à servidão animal, não escasseiam os arcanos da Queda...

 

... mas nos anjos caídos permanece tenaz o apego aos modernos.

 

 

Peter Paul Rubens, Prometheus Bound.jpg

Independentemente da fonte, esta história nunca costuma
acabar muito bem
... para a maioria, como é evidente.
(Peter Paul Rubens, "Prometeu Agrilhoado", 1618)

 

 

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publicado às 16:48



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